Segunda, 15 de Fevereiro de 2010
O professor David Fairman é o diretor gerente do CBI, Consensus Building Institute MIT/Harvard. Em 1994, ele era um dos especialistas da equipe dirigida por Lawrence Susskind, que tocava o Programa Internacional de Gerenciamento da Sustentabilidade, da Sustainability Challenge Foundation, uma parceria liderada pelo governo holandês. Ecos da Rio 92.
Eu o conheci lá na Universidade de Nijenrode, que sediava o programa. Era a véspera da copa do mundo, no primeiro jogo do Brasil o Romário comeu a bola, a gente viu juntos. Os marmanjos do grupo bateram bola no campo da Universidade , e o David mostrou entusiasmo de brasileiro no trato com a pelota. Tinha até alguns caras bons, o Eugenio Singer, e um polonês, eram carinhosos com a redonda.
Agora, David nos visitou em Santos e em Ilhabela. Ano de copa do mundo. O futebol ajuda a Sustentabilidade, parece. Ajuda a criar camaradagem, relações cordiais, sem as quais dialogar é difícil. Fiquei devendo uma ida ao campo do Santos, para vermos o Robinho jogar.
Mas, a presença entre nós do professor David, Artur e Brenda, deve nos estimular a fazer uma avaliação de alto nível da nossa experiência de Diálogo, até aqui. Ele saiu daqui bastante impressionado com o trabalho que estamos fazendo, como processo de diálogo e promoção de Sustentabilidade.
De minha parte, facilitar esse contato foi uma homenagem aos protagonistas do diálogo – as pessoas que respondem por Marcos Vinicius, Tatiana, Claudia, Jayme, Beto Francine, Ricardo Anderaos, Edu Hipólito, Paty Ortiz, Fredê, André Vianna, Karina, Lucila e Carolina, Milanelli, Paulo André, Vaqueiro, deixo deliberadamente de citar muitos outros porque seria todo um artigo só com nomes.
Quero dizer que o diálogo, a sustentabilidade, é feita de atitudes das pessoas, e hoje tem algumas dezenas de pessoas na região tomando novas atitudes, investindo suas energias, seu conhecimento, e emoções, numa coisa chamada Sustentabilidade. Trazer David e sua equipe , abrir um relacionamento tão mutuamente proveitoso e promissor, era um estágio a que precisávamos chegar todos. A vivência acumulada e transmitida por eles ajuda a compartilhar melhor a idéia do que significa criar as bases para que exista diálogo.
Nós construímos um relacionamento respeitoso e humano. Podemos agora avançar para etapas de maior profundidade, pois já temos conversa em comum. Até aqui, a gente estava trabalhando para chegar a esse ponto. O diálogo, a construção de entendimentos, requer como primeiro passo estabelecer uma mesa de conversações. No nosso caso, essa mesa são várias ocasiões de muitos diálogos, trocas de conhecimentos, estabelecimento de bases compartilhadas de informações.
Hoje nós temos um ambiente em que são passadas informações confiáveis sobre aquilo que é perguntado ou apontado como de interesse. Nós construímos isso.Hoje nós debatemos projetos antes da fase de licenciamento. Eles são alterados mesmo antes de serem entregues para as análises do pessoal que vai dar ou não a licença. Eles (os que licenciam) têm poder direto de alterar os projetos. Nós não temos poder legal. Mas temos um outro papel: a gente tem o enorme poder de gerar inovações na gestão ou nos processos produtivos por meio de opiniões abertas, debates de alto nível técnico, identificação das oportunidades de fazer mais sucesso que uma empresa, hoje , pode alcançar se tiver mente aberta em seu gerenciamento.
No dialogo para a sustentabilidade do litoral norte, a gente propõe a organizações da área privada, do governo ou terceiro setor, que venham ser parceiros de um pacto de sustentabilidade, pelo qual os envolvidos vão investir em melhorar e passar a se orientarpor uma constelação de pontos que aponta para uma mudança de rumo de um barco que hoje navega para se estatelar numas pedras enormes.
Há quem não aceite esse tipo de iniciativa e fale de nós como gente vendida. Faço questão de devolver o insulto, que vem de gente que não ajudou a construir nada relevante na política ambiental brasileira. Desaforo, não. Isso é uma regra básica. Não são aceitos comportamentos desrespeitosos nesse recinto de paz. Chamo a responsabilidade de comprar essa briga porque um mediador deve proteger da maledicência os parceiros de uma iniciativa de diálogo.
Em seu começo, tais novos ambientes de resolução pacífica de conflitos são frágeis e devem ficar livres da insidiosa ação corrosiva, essa ferrugem da mediocridade dos lugares, a fofoca e a intriga, as ofensas que desmoralizam e retraem as pessoas para os espaços protegidos dos papéis tradicionais em que, apoiando ou negando, as pessoas acabam legitimando padrões insustentáveis de desenvolvimento. Opiniões são bem vindas, são a essência da Sustentabilidade.
Coalizões de Sustentabilidade: é disso que se trata
A aplicação prática daquilo que Fairman ensina, para mim, é incorporar na política ambiental a estruturação de coalizões de sustentabilidade. A negociação de avanços na direção da proposta de Sustentabilidade, em cada momento, em cada lugar, é um jeito de operacionalizar o conceito que emergiu da Rio 92.
Atuamos numa região com enormes potenciais positivos, associados aos extraordinários patrimônios naturais e culturais que possui. Os debates que nós já realizamos até agora mostram que a gente deve analisar um conflito socioambiental específico – aquilo que entra nos relacionamentos entre a Petrobras e o público regional – num quadro maior de conflitos, tendências historicamente associadas ao conjunto de transformações que vêm ocorrendo no território.
Na região, muitos interesses associados a uma economia velha em seu padrão socioambiental acabam puxando a brasa das decisões para as suas sardinhas. Do outro lado, interesses numerosos mas desarticulados ficam esperneando.
As coalizões são uma forma de superar a desarticulação e demonstrar que as causas que defendemos são de interesse de muita gente, mudando o equilíbrio entre os pratos da balança.
Petrobras e ambientalistas no litoral norte
O que construímos até agora, passados 20 meses, nove reuniões do COMDIAL, sete grandes seminários e debates públicos? Plantamos um hectare de mata ciliar onde só tinha capim, abrimos a discussão voluntária da neutralização de carbono da estação de gás de Caraguatatuba, temos um acordo de que o licenciamento ambiental precisa ser aperfeiçoado para ser sustentável, debatemos melhorias de programas ambientais da Petrobras, estamos recomeçando o preparo da comunidade de São Sebastião para o caso de grandes acidentes ambientais. Discutimos novos projetos de operações da Petrobras e a empresa já fez várias mudanças antes de começar o licenciamento.
Nós só discutimos o que vai além da exigência da lei. Atenção, detratores, aqui está o x da questão. A discussão aqui é como melhorar as decisões formais, que hoje estão deixando muito a desejar.
Temos um acordo pré desenhado sobre como proteger o parque estadual na área da bacia do Juqueriquerê, e gerar economias locais sustentáveis.
Temos um acordo de discutir os usos e as metas de qualidade no Canal de São Sebastião, ajudando o município a implantar sua APA marinha.
Criamos um espaço de iniciativas compartilhadas de gestão das redes técnicas de petróleo e gás no território costeiro e marinho. Agora, o seu desenvolvimento e maturação devem ser planejados e viabilizados. É hora de organizar novamente a pauta de assuntos de interesse comum, e o CEDS deverá dar suporte ainda muito mais qualificado para viabilizar essa iniciativa de alta densidade técnico-científica e de sofisticada construção cidadã.
A governança é o COMDIAL, e temos sido muito produtivos.
Como o COMDIAL é visto pelos outros, e por que isso nos interessa?
O COMDIAL não está pronto. O COMDIAL teve a virtude de se conceber como um processo. Os outros não nos compreendem bem porque nós mesmos estamos ainda construindo a idéia do que queremos ser. Junto com ela, as decisões sobre novos convidados. Quando isso ficar mais claro, nossa apresentação também terá sido resolvida, e com ela os dilemas e as atitudes envergonhadas (sinal dos tempos) ligadas com a promoção do diálogo.
A discussão sobre o porto feita pelo COMDIAL : a gente quer mais conversa
A gente teve o mérito de abrir uma discussão pública entre as visões dos ambientalistas e da Companhia Docas. Do lado dos ambientalistas, o mais importante foi a postura de abrir-se para a idéia da ampliação do porto, e também o questionamento de parte do projeto. Aí estão as bases para um diálogo com a Companhia Docas e todos os grandes interesses regionais. A Docas incorporou uma primeira modificação do projeto, a partir de uma idéia trazida em nosso primeiro debate. Mas deixou claro que não quer ficar discutindo muito tempo, tem pressa em definir o licenciamento.
Sempre, a questão do tempo investido em planos bem debatidos com as comunidades afetadas. Quanto tempo levaremos para conquistar o investimento em recursos humanos e materiais para fazer projetos realmente sofisticados tecnicamente, incorporando a perspectiva dos lugares onde as grandes obras precisam ser feitas ? A gestão precisa avançar muito. Com diálogo. Estamos aqui para ajudar.
O Porto, as vias de acesso de cargas, os depósitos de cargas, o tráfego, o centro histórico de São Sebastião, são temas excelentes para organizarmos novos debates e negociar com as autoridades estaduais que, mais que um teatro político qualquer, o que queremos é uma efetiva discussão sobre as questões óbvias que ainda não têm resposta satisfatória.
Uma discussão central é ver em conjunto os dois projetos, o do porto e o da estrada e alça Caraguá – São Sebastião. Como esse complexo afetará a Mata Atlântica e a conurbação costeira, isso não pode deixar de ser equacionado de forma inteligente. Penso que o CEDS deve dar suporte a essa discussão, disponibilizando o aporte de conhecimento especializado.
O CEDS como estratégia de Sustentabilidade
-a formação: os investimentos em formação (oficinas e cursos) representam o entendimento de que gerentes aptos a pensar de forma sustentável os negócios são um elo essencial para novos encadeamentos produtivos entre as pessoas e seus ambientes. Esses encadeamentos produtivos são interações transformadoras e também redes de negócios que se podem formar, compondo circuitos produtivos de extração / transformação / venda de produtos e serviços / aproveitamento de atributos ambientais, culturais, manejos de recursos, uso de tecnologias, comunicação e cultura;
-os experimentos (ecoprojetos): os resultados dependem das pessoas e processos, e são promissores no sentido de demonstrar que dá para fundar muitos novos negócios sustentáveis na região.Esse, agora, é o campo para maior esforço de aperfeiçoamento, investindo-se na estrutura de gestão e também ampliando os tipos de ecoprojetos, as parcerias – com destaque para UCs e prefeituras;
-agência de Desenvolvimento Sustentável – em minha visão, seria estratégico um projeto de agência de desenvolvimento sustentável do terceiro setor, um ecoprojeto que dê suporte a uma equipe de especialistas que vai montar um esquema de captação e viabilização de projetos, cuja posterior implantação deverá contar com variadas fontes de financiamento.
Uma alternativa em cima do que já construímos: a coalizão ReaLNorte / Petrobras / Unidades de Conservação pelo turismo sustentável
Novos territórios produtivos estão surgindo, integrando a costa, as ilhas mais distantes, uma porção de mar de grandes imensidões, mudanças atmosféricas.
Nossos debates serviram para dar base a uma constatação central: o turismo sustentável é a espinha dorsal para uma mutação que estamos incubando em nosso laboratório, um monstrengo sustentável cujas partes integrantes vamos inventando ao longo dos debates e dos resultados dos ecoprojetos.
Com os gestores das UCs, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, a Petrobras, as ONGs ambientalistas, ecoprojetistas, alunos do MBA, guias, donos de pousadas e hotéis, restaurantes, passeios e transportadores de gente, podemos armar uma aliança e agitar um novo padrão de fazer negócios. Essa é a proposta Litoral Norte Sustentável, uma coalizão de negócios sustentáveis representada num selo de qualidade.
A coalizão de diálogo já construída e sua consolidação
Além da primeira ampliação da coalizão fundadora (Petrobras, ReaLNorte, UCs, Universidades, Secretaria de Meio Ambiente de São Sebastião) temos potencial imediato de expansão, com as empresas elétricas, por exemplo, que aderiram ao Fórum LN Sustentável.
No governo do estado, tivemos conversações iniciais com o vice governador sobre cooperar na capacitação da Defesa Civil para os riscos ambientais em tempos de mudanças climáticas. Isso pode se desdobrar em diálogo e devemos propor uma pauta, que poderia apontar para um novo desenho da governança territorial, que torna-se urgente.
Essas reflexões do mediador pretendem contribuir, juntamente com o que for levantado por ambientalistas e Petrobras, para a discussão sobre o futuro do Diálogo para a Sustentabilidade e o CEDS, numa reunião especial do COMDIAL, em abril. Uma reunião devidamente organizada para suportar decisões formais e legítimas.
David Fairman chutou, e é gol, senhoras e senhores...
15/02/10
Esse site é um registro passivo da memória do Convênio Diálogo para a Sustentabilidade que reuniu Petrobras, ReaLNorte e Universidade Católica de Santos e aconteceu de 2008 a 2012.